sábado, 28 de abril de 2012

Coração doente


coração
(latim vulgar *coratio, -onis, do latim cor, cordis)
s. m.
1. [Anatomia]  Órgão musculoso, centro do sistema de circulação do sangue.
2. Parte exterior do corpo correspondente à zona do coração. = PEITO
3. [Figurado] Conjunto de sentimentos.
4. Centro da sensibilidade, da afeição, do amor.
5. Objeto do afeto de alguém.
6. Consciência ou memória.
7. Conjunto de características morais ou psicológicas. . = CARÁTER = , ÍNDOLE
8. Coragem, valor.
9. Voz secreta.
10. Parte mais interior de algo (ex.: coração da alcachofra).
11. Parte mais central ou mais importante de algo (ex.: coração da cidade).
12. Cerne da árvore.
13. [Técnica]  Peça angular numa intersecção.interseção.interseção de via-férrea.
14. [Brasil]   Varanda ou sala de uma casa.
abrir o coraçãodesabafar.
como o coração nas mãoscom grande sinceridade ou franqueza.
com inquietação ou preocupação.
cortar o coraçãocausar emoções relacionadas com a tristeza ou a compaixão.
falar ao coraçãotentar sensibilizar alguém.
ter o coração ao pé da bocaafligir-se facilmente.
ter o coração ao pé da goelao mesmo que ter o coração ao pé da boca.
 


Tinha sido um primeiro embate com o meu coração. Eu ter-me-ía portado mal e arrastado o coração nesse comportamento ? Seria? A realidade é que agora ali estava, num pós operatório complicado, o peito aberto, as dores e a secura. As três veias (ou pedaços delas) retiradas da perna, estavam agpra a assegurar a irrigação cardíaca. O balão intra aórtico, colocado através da região fémural, ajudava a circulação compensando a falta de débito que a insuficiência cardíaca provocava. Era uma solução provisória e muito em breve teria de ser retirado, risco suplementar. Havia esperança de que esta  operação, visando melhorar a irrigação, melhorasse o desempenho do músculo cardíaco, e tivesse um impacto positivo na insuficiência cardíaca. Como condição estava o facto de a zona "morta" pudesse reagir bem a uma revascularização, e assim ser "resssuscitada", recuperando das lesões e pondo o músculo de novo a funcionar. Não acredito que os médicos acreditassem muito nisso, mas enfim "foi uma boa tentativa" diriam no final...

Poucas horas depois de acordar foi-me retirada a ventilação  artificial, o que muito aliviou, e deixou livre para beber água, pois a sede era intensa, e até para comer algo.

Dois ou três dias foram passados nos cuidados intensivos cardiotoráxicos, uma unidade muito bem apetrechada, e aonde todos estavam em pós operatórios. Uns gemiam de vez em quando, outros chamavam, e havia mesmo um homem de côr, um negro, que se especializou em retirar os cateteres, agulhas e soros, espernear e virar-se na cama, criando uma confusão dos diabos à sua volta. Que paciência tinham com ele, pois de cada vez tinham de recolocar tudo de novo, e para ele havia risco de se ferir.
Dali fui transferido para os cuidados intermédios, já com menos agrafos, e para um local mais calmo, onde a monitorização era mais ligeira. Continuava a haver restrições de visitas, mas era claro que esta mudança significava que o risco se reduzira.

Durante uma das visitas dos médicos o Prof F, que me operou, disse uma frase que me ficou registadana memória. À pergunta se a operação poderia reduzir a insuficiência cardíaca respondeu, que sim, que pensava que haveria alguma influência positiva, mas que caso contrário, não ficaríanos por ali, e no limite "até se pode fazer um transplante". Fiquei com estas palavras premonitórias na minha cabeça, mas naquela altura o que mais me preocuava era mesmo sair dali, retomar a vida lá fora, como pudesse e esquecer o "coração doente".

Nos cuidados intermédios vi de tudo. Desde um senhor que quase não respirava, e estava o tempo todo prostrado, a um idoso que estava sempre a repetir que a mulher estava em casa à espera para jantar, e tinha de sair já para ir ter com ela. Penso que faleceu ali, comigo ainda lá. Os mais teimosos, os mais resignados, tudo por ali passava, tendo em comum o coração doente, uns com mais soluções do que outros. Mais uma semana se passara, a dores abrandaram, dores provocadas pelo impactoe da operação, e ainda o resto do célebre mrro no peito, que recebi em Beja, e afinal, me tinha salvo a vida. Dormia de costas na cama pois não me podia voltar para não pressionar as soturas feitas, e porque me doía.

No final de uma semana estava a abandonar os cuidados intermédios, e estava numa enfermaria normal, com várias camas, sem monitorização e já a caminho de casa. Acabei por ter alta dali no dia 6 de Abril de 2007, tinha passado cerca de um mês sobre o primeiro internamento. As expectativas agora eram grandes, no entanto, antes de sair fiz um ecocardiograma que revelava que a evolução da insuficiência cardíaca tinha sido alguma, mas pouca,. A função cardíaca, medida pela "fração de ejeção", que era cerca de 24% antes da operação, passara a 29% agora, quando o valor normal de um adulto é de cerca de 70%  (isto é, quando o ventriculo comprime, 70% do sangue passa para o aurículo e à circulação, e 30% permanece retido).  Ora no meu caso era exactamento o contrário, o que dá uma ideia muito clara do desempenho do orgão vital, e da pouca evolução que, sob esse ponto de vista a operação introduziu.
Foi assim que regressei a casa, com esperança, mas ainda com muitos receios.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Intensivo

intensivo
(intenso + -ivo)
adj.


1. Que dá mais força.
2. Que torna intenso.
3. Em que se acumulam esforços ou meios (ex.: curso intensivo).
4. Que visa a máxima produção por unidade de superfície e uma rápida rentabilização do investimento (ex.: agricultura intensiva).


Agora estava num internamento de outro tipo. Monitorizado, com soro, ligado a uma máquina que fazia perfusão de um medicamento, cateterizado, algaliado, enfim uma boa dezena de fios e tubos saíam do meu corpo, manietavam-me e dificultavam os movimentos. Estava preso a uma "parede" como um condenado. Aprendi o que era tomar banho numa cama, o que era o urinol, a arrastadeira, o que era comer na cama sem me levantar. No futuro esta aprendizagem seria-me útil...

A dependência era total, apesar do pessoal da unidade ser simpático, e jamais fazer má cara a qualquer pedido. Por vezes era eu que me limitava a chamar ou a pedir. Agora sim, sentia toda a fragilidade da doença cardíaca. Recordava-me agora daquele passeio de bicicleta e a minha total falta de sentido de precaução.

Estava agora à espera da marcação da operação, passado o incidente da paragem cardíaca. Os dias iam passando e ainda não se tinha esclarecido claramente se a operação seria mesmo aquela de que se tinha falado em Beja, o triplo by-pass, ou outra.

Nos cuidados intensivos passava os dias deitado, ouvia-se  música de fundo e podia ler revistas ou livros. Li Alexandre O'Neil, uma biografia, e depois a sua poesia. Os dias custavam muito a passar. Tinha agora, para além da MA, as visitas das minhas filhas. O Zé e a Teresa também me visitaram. Enfim, a comida era dificil de tragar, e tudo corria muito lentamente.
Estive ali cerca de duas semanas, até que decidiram pôr-me nos cuidados intermédios, mesmo ali ao lado. Um regime de controlo menos apertado. Entretanto os meus braços íam ficando negros, com inflamações, devido ao medicamento que estava a ser injectado, o que obrigava a mudar os cateteres ao fim de dois ou três dias; até que me foi comunicado que a operação estava marcada. Sexta feira próxima, 31 de Março de 2007, 8 horas. Estava internado desde o dia 8 de Março e já tinha passado quase um mês.
Na véspera da operação era preciso assinar várias autorizações e á noitinha fui todo "rapado" para que os pêlos não interferissem com a operação. Esta consistia em retirar uma veia da perna (a veia safena) e uma no peito ( mamária) e substituir funcionalmente as veias entupidas no coração. No caso três veias.
Na manhã de sexta-feira aprazada fui levado para o bloco operatório.
Dois dedos de conversa, uma anestesia e perdi a consciência. De nada mais me lembro do que o acordar lá para a tarde, não sei precisar, nos cuidados intensivos cardiotoráxicos, num outro andar de S.Marta, todo entubado, ventilado, com a boca ressequida, o peito apertado por agrafos, tinha sido aberto e fechado de seguida, a perna com agrafos, dores, sede, muita sede, na virilha um balão intra aórtico. Estava um caco !

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Pastel de nata

pastel
(francês antigo pastel, bolo, bocado de massa)

1. [Culinária]  Iguaria de massa de farinha com recheio, doce ou salgada.
2. [Culinária]   Massa constituída por um aglomerado de ingredientes picados que é depois frita em pequenas porções (ex.: pastéis de bacalhau). = BOLINHO
3. [Informal, Figurado]   Pessoa de pouco préstimo, branda, indolente. = MANDRIÃO, MOLENGÃO
4. [Imprensa]   Folha mal impressa.
5. [Tipografia]  Carateres que ficam misturados e confundidos em consequência. de se ter desmanchado uma forma, uma coluna, etc.
[Culinária pastel de natabolo feito com massa folhada preenchida com recheio de natas.
s. m.



Estava internado há mais de duas semanas. Era  sábado, e nesse dia a MA tinha aulas e tinhamos combinado que nesse dia não haveria visita.
Como sempre aos fins de semana as enfermarias enchem-se de visitas. São procissões com dezenas de pessoas que visitam tudo e todos. Vêm em romagem das aldeias da planície e aproveitam para visitar os conterrâneos. O quarto encheu-se de mais de uma dezena de pessoas que faziam uma barulheira infernal. Não tendo visitas, voltei-me na cama e fechei os olhos depois do almoço, tentando o sono impossivel. Passei assim a tarde isolado e com sono, olhos semi-cerrados.
A MA, no entanto, mais uma vez surpreendeu-me. Afinal havia visita, e depois das aulas decidiu passar por Beja para me ver. Trouxe-me o jornal e dois pastéis de nata, trazidos de Grândola, da bomba de gasolina a que chamanos "a nossa bomba", tal a frequência com que, nas nossas andanças, lá passamos, paramos e petiscamos.
Acordei, li um pouco do jornal, decidi avançar para um pastel de nata. Comi apenas um. De nada mais me lembro. Sei o que me contaram depois.
Terei tido uma paragem cardíaca. Começou por uma rápida tontura a que se seguiu o desfalecimento em segundos. A cabeça caiu de lado na almofada, num gesto ligeiro, como se tivesse adormecido. A respiração parou, o cérecbro ficou em "black out". Felizmente a MA apercebeu-se de imediato.
Por mim acordei cerca de três horas mais tarde. Eram oito da noite. Durante este intervalo de tempo, a MA ao perceber a situação chamou um enfermeiro que passava no corredor, que procedeu de imediato à reanimação, um murro no peito, que me fracturou o externo. Entretanto a paragem foi detectada pelo sistema de telemetria a que estava ligado para monitorização, que interviu com um disfibrilhador manual, dando-me vários choque eléctricos. Feita a reanimação, fui transferido para os cuidados intermédios de cardiologia, no Hospital de Beja. A MA chamou a Drª MJ, era sábado, estava em casa, mas veio ao hospital. Tomou a decisão de me transferir de imediato para S: Marta, dado que a operação já estava agendada, embora ainda sem data. Quando acordei, estava numa maca, três ou quatro profissionais à minha volta chamavam "sr Carlos, sr. Carlos ". entre eles a Drª MJ. Já se tinha chamado uma ambulância com um enfermeiro para me transferir para Lisboa. Algaliaram-me, experiência nova, mas o estado em que estava, meio assustado, nem deu para oferecer resistência. Estava despido, foi tempo de me vestirem um pijama, chegaram os bombeiros e um enfermeiro e lá fui para S.Marta. Ficava agora para trás a minha cama junto à janela, a televisão, e duas semanas de estadia.
O caminho era mau, era a terceira vez que o fazia de ambulância, a sacolejar, em menos de três semanas. No meio parámos para medir a tensão, que fraquejava.
Chegámos a S. Marta já passava da meia noite. Pela primeira vez entrava na unidade de cuidados intensivos de S. Marta, onde teria de passar cerca de três meses, três aons mais tarde.
Ligaram-me  a umas maquinetas, um medicamento era perfusionado em permanência no meu braço ( a amiodarona), os alarmes tocavam, pim, pim, pim, e lá fiquei na cama do canto, um cantinho meu, entregue a um grupo de jovens enfermeiros, e de médicos. Ía finalmente descansar desse dia atribulado. Ouvi o relato do enfermeiro a passar a pasta aos colegas de S. Marta, e percebi tudo o que se tinha passado; arritmia ventricular seguida de paragem cardíaca, revertida entretanto. Doía-me muito o peito, devido ao murro renimador. Desta escapava, muitos não escapam e sucumbiram à temível paragem. A partir daqui começava a minha "aventura em S. Marta", que haveria de me levar ao transplante três anos mais tarde. Nunca mais as coisas seriam como dantes.
E começou com um simples pastel de nata, que, coitado, não teve culpa nenhuma.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Internamento



   internamento s.m.
.Ato ou efeito de internar.

internar - Conjugar 
   v. tr.

1. Meter ou mandar para o interior.
2. Pôr como interno (em colégio, hospital, etc.).
v. pron.

3. Meter-se pelo interior dentro.
4. Engolfar-se, entranhar-se


O telefonema veio, eram 10h da manhã duma quinta feira, estava no café a tomar o pequeno almoço com a MA. Teria de estar em Beja depois do almoço.
Nunca tinha estado internado. A vida num hospital era para mim algo que não conseguia sequer imaginar. Partilhar o quarto com estranhos, como seria a noite, a comida, o banho, como passar o tempo, como ocupar a cabeça.
No final da manhã estava em Beja no hospital a fazer o "check in" ... Mandaram-me almoçar fora, e assim se fez. Depois do almoço lá estava de novo.
No quarto destinado havia três camas. Fiquei junto à janela. Já estavam duas pessoas instaladas. Eu era o terceiro e o quarto ficava cheio. Vesti o pijama, e fui para a cama. Desde logo e como aperitivo, um cateter na mão. Não gostava nada de análises, agulhas, detestava ver sangue. Logo no meu primeiro contacto tudo isto esteve presente. O inevitável cateter cujo aplicação doeu forte. O meu primeiro de muitos outros que se seguiram. Mais análises para recolher sangue. Aguentei como pude. Mal sonhava que estes gestos se tornaram nos anos seguintes o meu dia a dia, noutros internamentos.
A MA manteve-se até cerca das 7h da tarde. E lá fiquei. Veio o jantar e a primeira noite no hospital. A comida era fraca, insípida e feitas para doentes, como seria normal. Esse era agora o meu novo "estatuto". A noite correu bem. Os meus companheiros eram um jovem com uma infecção viral na pleura, mas sairia no dia seguinte. Trabalhava com porcos. O outro tinha feito um cateterismo e estava imobilizado na cama por este se ter complicado, e era operário da construção civil. De facto a doença é democrática e aqui todos somos apenas doentes, ou utentes. Este último ainda ficou depois de eu sair para S.Marta. haveria de o reencontrar por  lá.
A Drª MJ aparecia todos os dias pela manhã. Era simpática. O pessoal de enfermagem realizava a sua função sem grande rasgo, mas de forma eficaz. O pessoal auxiliar, mais barulhento, mais impreparado, sem grande educação, mas seria talvez um primeiro choque, eu também estava impreparado para estar no hospital, e tudo me incomodava.
Durante o tempo que durou este internamento, afinal o primeiro de muitos, e que durou pouco mais de duas semanas, fizeram-se vários exames. Desde longo um cateterismo, que me obrigou a viajar a S. Marta de ambulância. Estava receoso quando saí de Beja, cedo, acompanhado com uma velha cigana, que vinha ao mesmo. Fiz este exame para verifcar até que ponto as coronárias estavam obstruidas e poderia ou não com uma angioplastia, feita no próprio exame, desobstruir, e no caso tudo ficaria por ali. Na realidade estavam obstruidas, daí o enfarte, mas não foi possível desobstruir. Assim regresei a Beja. A cigana ficou por S. Marta pois teve mais sorte que eu.
Na manhã seguinte ao cateterismo, a Drª MJ veio então dar-me a notícia mais importante deste internamento; havia obstrução em três vias, teria de fazer uma operação, conhecida por "by-pass" no caso triplo por envolver três veias, e iria fazê-lo a S.Marta. Iria primeiro fazer uma "sintigrafia" visando saber qual a profundidade doa obstrução, o que implicou nova ida a Lisboa. Nesse dia a MA surpreendeu aparecendo no decurso do exame.  Aguardaria ali, no Hospital de Beja, até ser chamado para a operação. Esta iria ser feita pelo Prof F teria algum risco mas tinha de ser feita. Estaria eu de acordo ? Tinha de ser feito e não havia escolha, mas foi simpático perguntar...
Regularmente ia tendo visitas da MA, vinha quase todos os dias. Era a única visita regular, para além de alguns telefonemas da família. Não tinha televisão, o meu enteado comprou uma para que pudesse estar mais ligado ao mundo. As coisas estavam a compor-se e era suportável a estadia.
O internamento seria interrompido de forma abrupta. Interrompido, não propriamente, mas transferido para outro local por razões imprevistas. Lá iremos.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Revelação


revelação
(latim revelatio, -onis)

1. .Ato ou efeito de revelar ou de revelar-se.
2. Coisa que é revelada.
3. Denúncia necessária.
4. Base de todas as religiões monoteístas.
5. Religião revelada.
6. [Figurado]  Inspiração; conhecimento súbito.
7. [Fotografia]  Ação de revelar uma película sensível, um negativo ou uma cópia fotográfica.
8. [Fotografia]  Negativo ou cópia fotográfica revelada.

s. f.


Em urgência fiz os exames em falta. O electrocardiograma revelava de novo arritmias e o ecocardiograma revelava com toda a evidência o que tinha sucedido meses antes durante o passeio de bicicleta, um enfaarte do miocárdio, agravado pelo facto de não ter havido qualquer intervenção médica, o que teria provocado "isquémias", isto é, parte do músculo cardíaco do ventríqulo esquerdo estava "morto" a sua morte provocou a dilatação já detectada, esta induziu uma insuficiência mitral, isto é, a válvula mitral não fechava totalmente, provocando assim uma temida insuficiência cardíaca. O sangue ficava em parte retido no ventríqulo, e a eficácia do coração era menor, com impacto na circulação sanguínea.
Após os exames, consegui para o mesmo dia uma consulta de cardiologia, com a Drª MJ, que viria a ter um papel determinante  nos anos seguintes no acompanhamento do evoluir da situação. Esta ao analisar e avaliar a situação, optou pelo internamento imediato no Hospital de Beja, para mais exame, diagnóstico, e para decidir o que fazer. Na realidade fui internado três dias mais tarde, a 8 de março de 2007.
Revelava-se agora tudo o que parecia andar escondido durante meses e meses, e a situação parecia ser preocupante, pela cara que a médica fez, e pela sua preocupação comigo, dando-me de imediato seu número de telemóvel pessoal, "just in case", e que muito útil me foi nos anos seguintes, aquando das "crises".
Faltava agora saber a verdadeira dimensão do problema, pois não havia que esquecer que o enfarte é causado por algo, no caso a obstrução das coronárias, que irrigam o músculo cardíaco, e essa situação não estava ainda devidamente diagnosticada ou "medida", para se saber qual a verdaeira dimensão do problema. Só o internamento iria criar condições para o total esclarecimento do problema. Era para mim uma situação estranha e nova. Jamais tinha estado internada num hospital, poucas vezes lá tinha ido, mesmo em visitas a outras pessoas, era um mundo pouco conhecido para mim, e que alimentava em mim uma grande desconfiança. Tive de aprender a confiar nos médicos, coisa que não sucedia, a confiar no SNS, que afinal funcionava bem melhor do que jamais pensara. Com estas "revelações" agora a saltar do coração para a cabeça e desta para o coração, regressei a casa, aguardando telefonema da DrªMJ, para internamento pois na altura não havia vaga, avisando disso a médica de família, através da qual tinha chegado ao contacto da cardiologista, do evoluir da situação e da eminência do internamento. Nada ainda era claro, na altura uma voz dizia-me que nada de grave sucederia, e o meu optimismo mantinha-se, desvalorizando a situaçãoe dando-me sempre uma grande confiança. Aliás a serenidade e a tranquilidade com que a cardiologista me deu as notícias, apesar de serem más, deixou-me tranquilo, e uma imagem forte de que estava em boas mãos. E estava mesmo !!!

terça-feira, 3 de abril de 2012

Ignorar


ignorar v.tr.
1. Não saber; não ter conhecimento de.
2. [Popular]  Estranhar; reparar em.


Bem tentou a MA à chegada a casa, nesse dia 16 de setembro de 2006, levar-me ao Centro de Saúde, para verificar aquilo que se teria passado durante aquele passeio de bicicleta. Nada. A má disposição mantinha-se, e as forças não recuperaram tão facilmente como poderia pensar. Tinha-mos pensado ir nessa tarde para o Algarve e assim foi. Ao chegar, deitei.me para cima da cama e assim fiquei o resto da tarde, até ao jantar. Numa grande prostração fui mantendo o ânimo e pensando que tudo se resolveria por si mesmo. Todos os sintomas foram ignorados.
Na segunda -feira reiniciava o trabalho. Tinha agendado uma ida a Bragança, várias sessões de formação em Leiria, uma ida à Disneyland em Paris, no aniversário da neta Joana, tudo isso se teria de fazer e  foi efectivamente feito. Na ida a Bragança, ao regressar, de novo uma grande má disposição, enquanto vinha na boleia para o avião. Durante o voo para Lisboa, esses sintomas, prontamente atribuidos a uma refeição mais pesada, foram passando. Entretanto as pernas começaram a pesar e a falta de forças era constante, sobretudo na subida de escadas.
A visita à Disneyland também decorreu, embora sem problemas, com alguma penosidade. Lembro-me ir a pé entre o parque principal e a zona onde dormía-mos, empurrando o carrinho com a Carolina, na altura muito pequenina, não me sentindo a cem por cento. Talvez digestões mal feitas, cansaço físico, esgotamento, tudo me parecia plausível, apenas a palavra "enfarte" não entrava no meu dicionário, nem me foi sugerida, talvez por o seus sintomas mais comuns, não terem sido invocados nem detectados.
Chegou o Outono e finalmente o Inverno. Recomecei a bicicleta, sem grande dificuldade, mantive o ginásio. Fazia formação e andava nuito de carro, de um lado para o outro, país acima e abaixo. Tudo fazia com algum sacrifício mas sem grandes limitações.
Entretanto, horas a fio a falar nas sessões de formação, frio, chuva e outras coisas tipicas de Inverno, começam a dar-me uma sensação permanente de constipação. Mas não era gripe, pois não havia febre. Esta constipação parecia de facto muito estranha e prolongava-se por meses.
Começou com muita tosse, ataques de tosse muito prolongados, sobretudo quando falava nas sessões de formação. Muita falta de ar. As noites tornaram-se irrespiráveis. A cabeça não podia estar na almofada, pois parecia que a respiração não se fazia como um acto reflexo, mas obrigava a uma decisão. Cada inpiração uma decisão., um esforço, que não se produzisse parava os meus pulmões. Comecei a levantar-me de noite da cama, vinha para a sala, e no sofá lia, e aí, nessa posição abrandava a falta de ar e a respiração fazia-se de uma forma mais fácil. Ocupado que estava não tinha tempo para pensar em mim nem nos sintomas cada vez mais complicados. Os meses iam passando, a tosse não, a falta de ar também. Nada me fazia tocar as  campaínhas, de que deveria parar e olhar para mim.
Até que, já no inicio de janeiro, passados 4 ou 5 mese sobre os primeiros sintomas, marquei consulta para a Drª AM, a minha médica de família, que na altura, me receitou um anti-estamínico, talvez por parecer uma alergia repiratória. Pediu também um Raio X ao torax. Ia também tomando uns xaropes "naturais" que pareciam abrandar os sintomas, mas logo depois voltavam. Feito o RX, em Castro Verde, o resultado demorou, pois era preciso fazer o relatório. Só lá para o meio de Fevereiro este veio e acabei por voltar à médica de família para o mostrar,.
Nesse dia caí de espanto. A médica dizia-me que o mais importante era que o meu coração se encontrava muito dilatado, podia ser grave, e o melhor seria ir para as urgências do Hospital de Beja, para que o problema fosse melhor visto. Assim fiz, e após muitas horas de espera, um médico espanhol viu-me, mandou fazer novo RX, que confirmou tal dilatação, mas, segundo ele, só um ecocardiograma, não disponível na altura, poderia esclarecer melhor o que se teria passado, aprofundando o diagnóstico.
Receitou-me um diurético, era sexta feira, regressava a casa já depois da meia noite, com a indicação de fazer a eco o mais rápido possível. Consegui a requisição junto da médica de família, e na segunda feira seguinte de manhã, estava de novo em Beja para realizar os exames pedidos.
Até aí tudo tinha ignorado, para tudo tinha arranjado uma explicação, jamais o bom senso me tinha aconselhado a parar para pensar.